• Presidente da Assembleia Nacional defende revisão do Código da Família


    O presidente da Assembleia Nacional afirmou, terça-feira, em Luanda, que o período pós-Independência “regista, de forma indelével, as impressões digitais da Professora Maria do Carmo Medina”, cuja intervenção foi decisiva na edificação do Sistema Jurídico Nacional, em particular do Direito da Família, área em que foi “a principal impulsionadora do ensino e da investigação” desta matéria.

    Adão de Almeida exaltou os feitos da Professora Maria do Carmo Medina na abertura do Congresso Internacional de Direito da Família, realizado em homenagem ao seu centenário, celebrado a 7 deste mês de Dezembro, com a participação de académicos, magistrados e estudantes.

    Na ocasião, o presidente da Assembleia Nacional, Adão de Almeida, sublinhou que Maria do Carmo Medina participou na elaboração de diplomas essenciais para o Estado angolano que acabava de nascer, tendo desempenhando, igualmente, funções de destaque como juíza-conselheira e vice-presidente do Tribunal Supremo.

    Neste contexto, Adão de Almeida lembrou que a jurista Maria do Carmo Medina teve, ainda, intervenção extraordinária na construção do Código da Família de 1988, documento que considerou “a sua marca mais profunda” e um dos marcos legislativos mais relevantes da História recente de Angola. “Quando foi aprovado, o Código representou um avanço expressivo, revogando o Livro da Família do Código Civil de 1966 e afirmando, de forma inequívoca, a ruptura com o modelo jurídico colonial”, sublinhou.

    Revisão do Código da Família
    O Código da Família de 1988, continuou, foi inovador, ao reconhecer a igualdade de direitos entre homens e mulheres, valorizar a união de facto, eliminar distinções entre filhos e modernizar processos de divórcio e tutela.

    O presidente do Parlamento referiu que, passados 37 anos, se afigura um imperativo revisitar o diploma, tendo em conta a evolução constitucional e a profunda transformação social ocorrida no país, marcada pela ocorrência de novos fenómenos culturais, comportamentos humanos e visões sociais.

    “A família continua a ser o núcleo fundamental da organização da sociedade, e os princípios constitucionais da igualdade têm de encontrar mecanismos jurídicos adequados de concretização”, destacou Adão de Almeida.

    Homenagem à pioneira que fez de Angola a sua Pátria
    A trajectória de vida da Professora Maria do Carmo Medina foi exaltada como exemplo de patriotismo e coragem, sendo sublinhada a sua dedicação ao país. Nascida em Portugal, Maria do Carmo Medina estabeleceu-se em Angola ainda jovem, onde exerceu advocacia e abriu o primeiro escritório dirigido por uma mulher.

    A sua intervenção foi particularmente relevante na defesa de jovens nacionalistas angolanos perseguidos no período colonial, nomeadamente no conhecido “Processo dos 50”, em 1959.

    O presidente da Assembleia Nacional realçou que a acção firme da jurista permitiu expor abusos, denunciar a ausência de garantias de defesa e mobilizar a opinião pública internacional. “Tornou o Direito um instrumento de justiça e colocou-o ao serviço dos mais necessitados”, destacou.

    Adão de Almeida aflorou que a celebração do centenário da jurista Maria do Carmo Medina “é um acto justo e oportuno de reconhecimento a uma personalidade que influenciou gerações inteiras de juristas, cuja obra permanece viva em cada estudante que formou, em cada ideia que estruturou e em cada causa que defendeu”.

    Congressistas analisam influência na área académica, jurídica e social
    Os participantes do Congresso Internacional de Direito da Família apreciaram o trajecto profissional da Professora Maria do Carmo Medina, aferindo o impacto na área académica, jurídica e social, e reconheceram que o seu legado é uma dimensão humana inestimável.

    Os académicos Paulette Lopes, Fernando Oliveira e Pedro Fançony destacaram, em aula magna dedicada ao “Ensino do Direito da Família e o papel da Professora Maria do Carmo Medina”, o papel e contribuições da Professora e jurista. Segundo Paulette Lopes, a homenageada “foi uma das personalidades cuja existência marcou a vida de muitas outras”, lembrando, assim, que os seus ensinamentos “transcendiam o domínio académico”.

    Paulette Lopes recordou, igualmente, que Maria do Carmo Medina, além do rigor profissional, possuía “uma profunda bondade humana”, valores que transmitiu a várias gerações de juristas formados no período pós-independência.

    A docente destacou, ainda, a criação, em 2001, do Prémio Maria do Carmo Medina, instituído pelo Ministério da Família e Acção Social, em parceria com a Faculdade de Direito, que reconhece trabalhos académicos de excelência. “O prémio visa imortalizar o contributo ímpar da Professora Maria do Carmo Medina e inspirar as novas gerações”, afirmou.

    Durante a sua intervenção, Paulette Lopes enfatizou o papel estruturante da Professora Medina na elaboração do Código da Família de 1988, diploma que considerou “uma das obras jurídicas mais debatidas e participadas da História legislativa angolana”.

    O processo legislativo, referiu,envolveu debates públicos, mesas-redondas, contributos populares e consultas a especialistas, resultando num “documento que consolidou princípios como a igualdade entre os filhos, a valorização da união de facto e a consagração da igualdade entre homens e mulheres na família”.

    A académica recordou, também, episódios que alertaram para a necessidade de regulamentar a união de facto, como casos judiciais que revelaram desigualdades profundas na protecção da mulher. “A Professora Medina entendia o Direito como instrumento de justiça social, e sempre defendeu a dignidade da pessoa humana como fundamento essencial das relações familiares”, realçou.

    Figura maior da advocacia
    
    O Professor Fernando Oliveira recuperou episódios centrais da actuação da jurista na década de 1960, especialmente a sua intervenção no histórico “Processo dos 50”, realizado pelo Tribunal Militar português.

    Para o académico, Maria do Carmo Medina enfrentou “um sistema marcado pela brutalidade e pela ausência de garantias de defesa”, assumindo posições corajosas ao denunciar maus-tratos e violações graves dos direitos humanos.

    “Foi preciso enorme coragem para invocar ali, diante de juízes militares, o direito dos povos à autodeterminação e para enfrentar pressões e intimidações”, sublinhou Fernando Oliveira, acrescentando que a actuação da advogada teve impacto internacional, ao expor publicamente as injustiças do regime colonial.

    O docente evocou, ainda, a participação de Maria do Carmo Medina em redes de solidariedade que prestavam apoio às famílias de presos políticos, bem como o seu envolvimento na elaboração de documentos estruturantes no período de transição para a Independência Nacional.

    Exemplo para as novas gerações
    Por sua vez, o académico Pedro Fançony destacou a dimensão pedagógica e o rigor da homenageada, recordando episódios das suas aulas, orientações metodológicas e dedicação aos estudantes.

    Sublinhou a influência da jurista Maria do Carmo Medina na formação de quadros que hoje ocupam lugares de relevo na Magistratura, Administração Pública e na Academia.

    Fançony destacou que Maria do Carmo Medina valorizava a interdisciplinaridade e incentivava os alunos a compreenderem o Direito comparado como ferramenta essencial para o progresso do Sistema Jurídico Nacional.
    “Foi uma Professora extraordinária, exigente e profundamente humana”, afirmou.

    Legado jurídico e patriótico
    Os intervenientes concordaram que Maria do Carmo Medina deixou uma marca indelével na construção do Direito angolano, tanto no plano académico como judicial.

    Depois da Independência, tornou-se a primeira vice-presidente do Tribunal Supremo, contribuindo, activamente, para a consolidação da jurisprudência nacional.

    Natural de Portugal, mas angolana por escolha e dedicação, a Professora Medina assumiu como missão a defesa da justiça, a promoção da igualdade e o fortalecimento das instituições do país que adoptou como seu.

    Ao evocar o seu centenário, os participantes realçaram que “celebrar Maria do Carmo Medina é agradecer o muito que ela deu a Angola, desde a defesa dos nacionalistas perseguidos pelo colonialismo até à formação das gerações que edificaram o sistema jurídico do país.